Por Mariana Fonseca para Exame.com

Insurtechs brasileiras investem em seguros de residências, automóveis e celulares cobrados por mensalidade e análise de comportamento

Se você contrata um seguro, provavelmente está pagando por quem sempre bate o carro, casas que pegam fogo ou celulares que insistem em cair em terrenos ásperos. O mercado de seguros arrecadou mais de 400 bilhões de reais em 2017, mas poderia faturar muito mais.

As startups já estão de olho nessa oportunidade há anos. Só com a retomada da economia, porém, esses negócios deverão ganhar destaque por aqui. A familiaridade com serviços online, como o banco digital Nubank e a plataforma de streaming Netflix, também dão um empurrão ao movimento.

Os prêmios (valores pagos por clientes às seguradoras) representaram 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2017, contra uma porcentagem de 11,3% vista nos Estados Unidos. O grande desafio está em aproveitar a maior disposição de consumir e fazer brasileiros detentores de menor renda acreditarem que pagar para se prevenir é importante.

O convencimento passa por acabar com a obscuridade dos processos das seguradoras, que têm perfis de risco e pagamentos pouco flexíveis. Com isso, hoje os maiores contratantes de seguros são “adultos urbanos estabelecidos” e “elites brasileiras”, de acordo com a Serasa Experian: pessoas com mais de 30 anos de idade, alta escolaridade e um padrão de vida que vai de “relativamente confortável” a “alto”. Em último lugar de interesse em contratar seguros estão jovens adultos da periferia, o grupo mais representativo da população brasileira.

“Dar acesso a pessoas que não tinham seguro até então é uma grande oportunidade. Nem o corretor e nem a seguradora têm como prioridade atender o cliente de pouca renda, pelos baixos valores sobre a apólice”, afirma Paulo Marchetti, diretor brasileiro do marketplace de comparação de seguros ComparaOnline.

Com estruturas enxutas e tecnologia para escalar atendimentos, suprir diversos consumidores de pouca renda pode ser um bom negócio. É nisso que apostam as insurtechs, startups que atuam no mercado de seguros, e seus investidores. No ano passado, empreendimentos inovadores que fornecem software ou distribuem seguros captaram 4,1 bilhões de dólares em investimentos, segundo a empresa de análises CB Insights. Em 2011, o valor era de apenas 140 milhões de dólares.

O passado das insurtechs: mortes pelo caminho e comparadores

O Brasil possui 37 insurtechs em operação, de um total de 453 fintechs mapeadas pelo estudo Radar FintechLab. Em 2015, eram sete insurtechs. As primeiras startups de seguros brasileiras remontam ao começo desta década.

O chileno ComparaOnline foi criado em 2009 e chegou ao Brasil três anos depois. O marketplace encontrou concorrentes nacionais que também vendiam seguros pela internet, como Minuto Seguros (2010), Bidu (2011) e TôGarantido(2014).

A Bidu foi adquirida e as outras continuam operando, mas startups de seguros mais desconhecidas ficaram pelo caminho. Havia desconfiança dos consumidores em comprar pela internet; das grandes seguradoras em colocar seus produtos nessas novas plataformas; e, por fim, dos investidores em apostar em negócios incipientes. “Algumas insurtechs morreram e outras enxugaram sua operação, especialmente pela dificuldade de acesso a capital”, afirma Marchetti.

O mercado de seguros é baseado em confiança e, com isso, há um prazo relativamente longo para o mercado amadurecer novas soluções. Para ganhar a confiança de clientes que antes falavam com corretores fisicamente, as insurtechs investiram em presença nas redes sociais e em sua reputação em sites como o Reclame Aqui.

Para as seguradoras, é preciso mostrar que a insurtech não é uma ameaça. No ComparaOnline, os distribuidores de seguradoras como Bradesco Seguros, Liberty Seguros e Mapfre ganham uma comissão de 18% sobre o valor total do seguro. O usuário vê o valor já com essa taxa embutida.

Após anos de construção de uma base de usuários, o ComparaOnline atingiu lucros em 2017. O marketplace vende 40 mil apólices por ano e obteve crescimento de 30 a 40% somando Chile, Colômbia e Brasil em 2018. “Somos o país que mais puxa os números, já que apenas a cidade de São Paulo equivale a todo mercado chileno. Mesmo assim, preferimos ter fôlego financeiro diante de jogar metas de crescimento de 100% e arriscar morrer no meio do caminho.”

A TEx, que desenvolve plataformas digitais para mais de 500 corretoras de seguros, também viu um aumento de interesse em adentrar o online. O negócio existe há dez anos. “Antes, todo mundo achava espetacular um cálculo que durava um minuto. Hoje, fazemos isso na metade do tempo, mostrando produtos de até 17 seguradoras ao mesmo tempo, e as pessoas exigem que seja mais rápido. A base de comparação dos clientes virou o Google, que pesquisa a internet do mundo inteiro em segundos”, afirma Emir Zanatto, chefe de operações da desenvolvedora.

O presente das insurtechs: aquele “jeito Netflix”

Criar marketplaces comparadores foi o primeiro passo para as insurtechsbrasileiras. Há cerca de três anos, alguns negócios acreditaram que poderiam trazer uma renovação ao modelo, pelo uso de inteligência artificial, análise de comportamentos, cobranças mais acessíveis e cancelamentos flexíveis.

Essa é a cara da segunda leva de insurtechs no Brasil, que tomaram inspiração de unicórnios como o serviço de streaming Netflix. Nada mostra melhor a virada do que a aquisição no ano passado da antiga Bidu Seguros pela Thinkseg, uma insurtech criada em agosto de 2016.

Cocriada por Andre Gregori, sócio-fundador do banco BTG Pactual e criador da divisão BTG Pactual Seguridade, a Thinkseg enfrentou obstáculos para fazer o discurso do digital emplacar. “Era difícil ver seguradoras com vontade de ouvir, ainda que soubessem da necessidade de inovar. Eu era um agressor. Agora, todas direcionam algum investimento para o digital”, afirma Gregori.

A Thinkseg é um portal que usa algoritmos próprios para identificar o perfil do cliente, tanto pelas informações preenchidas quanto por bancos de dados e postagens nas redes. Após a análise, seleciona pacotes personalizados de seguros. “As seguradoras costumam primeiro montar um produto para depois sair vendendo. Queremos inverter essa lógica”, diz o fundador.

Há 500 mil combinações de produtos possíveis de 18 seguradoras na Thinkseg, a partir de um questionário de oito perguntas e uma análise que leva cinco segundos. O tradicional é responder de 28 a 35 perguntas e levar 20 segundos para conseguir uma cotação, de acordo com Gregori. No banco de dados há um histórico de mais de oito milhões de cotações, além de 30 mil cotações novas por mês.

Os usuários são atendidos de forma 100% digital por corretores cadastrados, área que foi reforçada com a aquisição da Bidu Seguros e seus sete anos de dados coletados e ferramentas de marketing digital desenvolvidas. A Thinkseg possui 30 mil clientes ativos e acumulou mais de 100 milhões de reais em prêmios coletados para as seguradoras, sendo que 90% dos seguros vendidos são para automóveis.

O negócio se monetiza por comissões, por ser registrado como uma corretora, e também dá bonificações às seguradoras parceiras. A Thinkseg também desenvolve tecnologias e estratégias de marketing digital para o mercado de seguros, com plataformas digitais. A insurtech atingiu o ponto de equilíbrio operacional (descontando os investimentos iniciais) com um ano e dois meses de operação. Ao todo, 50 milhões de reais foram aportados na Thinkseg por seus dez sócios, seja no desenvolvimento da tecnologia, na aquisição da Bidu Seguros ou em patrocínios de peso, como o do time de futebol carioca Flamengo.

Para Gregori, o grande desafio é fazer os brasileiros sentirem a necessidade de ter um seguro. “A percepção de valor, nesse mercado, só aparece quando o cliente tem um problema. Não somos uma fintech percebida de cara como uma oportunidade para ele, como é o Nubank, por exemplo.”

A Kakau Seguros, criada no mesmo ano da Thinkseg, realizou uma pesquisa no começo do negócio e ouviu de possíveis clientes pensamentos similares, como “ter um seguro não é para mim”. “O brasileiro ganha dinheiro, controla seus gastos, começa a poupar, investe e só depois pensa em segurar. Se ter um seguro fosse como contratar a Netflix, teríamos mais segurados”, defende o cofundador Henrique Volpi.

Marcelo Torres, Diogo Russo e Henrique Volpi, da Kakau Seguros Marcelo Torres, Diogo Russo e Henrique Volpi, da Kakau Seguros

Marcelo Torres, Diogo Russo e Henrique Volpi, da Kakau Seguros (Kakau Seguros/Divulgação)

A Kakau adotou uma estratégia similar à Netflix e realiza cobranças de mensalidades fixas, com cancelamento feito em até um dia para smartphones. Segundo Volpi, apesar de o senso comum dizer que a facilidade em parar com o plano aumentará a desistência dos usuários, a evasão de clientes da Kakau é seis vezes menor do que o das seguradoras tradicionais. Uma inspiração foi a americana Trov, que permite contratar ou cancelar uma cobertura em minutos.

Os seguros residenciais custam a partir de 19,90 reais por mês, enquanto o seguro para smartphones parte de 9,90 reais mensais. “Há clientes com smartphones Motorola ou Apple, vindos do Acre ou de São Paulo”, resume Volpi. O cliente mais comum da Kakau seria uma millenial de classe C, bem diferente do consumidor comum das seguradoras tradicionais. Por trás dos seus produtos estão as seguradora American Life e Generali.

O robô de atendimento Ana, dotado de aprendizado de máquina, resolve 80% das dúvidas dos usuários. Caso restem mais perguntas, a contratação é direcionada ao e-mails ou ao aplicativo de mensagens WhatsApp. O próximo passo da Ana é permitir a inserção de dados de identidade e de cartão de crédito, descartando a necessidade de entrar no site da Kakau.

O negócio faturou 500 mil reais no ano passado, com mais de cinco mil seguros vendidos desde setembro de 2017. A insurtech pretende faturar dois milhões de reais neste ano. Para os próximos meses, a Kakau lançará seguros para bicicletas e patinetes elétricos e de vida. A startup planeja também realizar o cancelamento em até um dia no seguro residencial. Ao todo, 10 mil seguros devem ser vendidos em 2019.

Gregori também está de olho na oportunidade que os pagamentos têm de atrair usuários. Em parceria com “uma das dez maiores seguradoras do mundo”, a Thinkseg irá oferecer uma proposta que nem mesmo a Netflix ousa: um pagamento dinâmico, baseado no uso do seguro pelo consumidor ao longo do tempo.

Na modalidade pay per use, que será lançada neste trimestre, o usuário pagará uma taxa mensal fixa para serviços como guincho e proteção a furto mais um valor mensal variável de acordo com os quilômetros rodados e sua forma de dirigir. Para Gregori, a ideia é trazer “o conceito do justo” aos seguros, impedindo que bons motoristas paguem pelos maus. É como se, na Netflix, um cliente pagasse menos por assistir a menos conteúdos. Uma insurtech que já pratica esse modelo é a americana Metromile, que leva em consideração apenas a distância percorrida. A startup estadunidense já recebeu 300 milhões de dólares em investimentos.

O futuro das insurtechs: a chegada das grandes

De acordo com a consultoria Accenture, 86% das seguradoras acreditam precisar inovar rapidamente para se manterem competitivas. Segundo o CB Insights, não seria surpreende se as insurtechs seguissem o mesmo caminho de outras fintechs e as grandes instituições virassem compradoras de soluções. Disponibilizar seus produtos nos marketplaces dessas startups já é um início de associação.

As insurtechs começaram a ser mencionadas em conferências de resultados de grandes empresas na virada de 2016 para 2017, quando o segmento de fintechs já estava amadurecido. Hoje, Allianz, AXA CL, Munich Re e Swiss Re estão entre as seguradoras que mais fazem parcerias com negócios tecnológicos a nível mundial. Desde 2017, houve mais de 180 associações do tipo, segundo a empresa de análises CB Insights.

O próximo passo para as grandes seguradoras é se associarem não apenas às insurtechs, mas a startups de outros setores, como os de logística e mobilidade urbana. A corretora online de seguros com capital aberto Zhong An firmou uma parceria com o serviço de delivery Grab para a venda de seguros pelo aplicativo de entregas. Enquanto isso, a Allianz aportou 35 milhões de dólares na empresa de mobilidade Go-Jek, da Indonésia.

O inverso também é tendência: empresas de outros setores entrarem para o mercado de seguros. A chinesa Didi Chuxing, empresa de mobilidade urbana que comprou a brasileira 99, adicionou seguros de automóvel e de saúde como uma opção a seus motoristas. Também na China, a gigante Tencent possui a agência online de seguros WeSure, em parceria com 20 seguradoras.

Na Índia, a empresa de pagamentos móveis e carteiras digitais PayTm começou a vender seguros e afirma ter se tornado a maior plataforma digital do tipo no país. O negócio possui investimentos da gigante chinesa de tecnologia Alibaba e do megainvestidor Warren Buffett. A PayTm sofre concorrência pesada das varejistas tecnológicos, como Flipkart, investida do fundo bilionário SoftBank, e a gigante americana Amazon.

No Brasil, um caso pioneiro foi a criação da plataforma online de seguros Youse, em 2015, a partir de um aporte 500 milhões de reais da Caixa Seguradora, da Caixa Econômica Federal.

Um obstáculo para o desenvolvimento de mais inovações é a falta de uma regulação, a exemplo da vista com fintechs de crédito e com bancos digitais. “Não vejo uma disposição similar à do Banco Central na Susep [Superintendência de Seguros Privados], por ser um órgão extremamente sobrecarregado e por ainda sermos vistos como ‘patinhos feios’. Como insurtechs, infelizmente não podemos correr atrás de uma regulação. Ela que corre atrás de nós”, afirma Marchetti, do ComparaOnline. Se o mercado quer conquistar a classe C, já passou da hora de mostrar serviço.

Artigo escrito por Mariana Fonseca e postado originalmente por Exame.com

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